"A
gente fica até aliviado quando o plantão acaba e só ouviu as
ofensas de sempre, como 'vagabundo, eu pago o seu salário'. Isso já
virou rotina, nos acostumamos."
A
frase do enfermeiro F.M., 31, há 11 anos atuando em hospital público
de São Paulo, resume bem o atual cenário vivido pela enfermagem no
país: quase 70% desses profissionais não se sentem seguros no local
de trabalho.
Os
dados são de pesquisa inédita com o perfil da maior categoria da
saúde, que reúne 1,8 milhão de enfermeiros, técnicos e
auxiliares.
O
trabalho, realizado pela Fiocruz e pelo Cofen (Conselho Federal de
Enfermagem), mostra que um quinto dos trabalhadores (19,8%) relata a
existência de violência no ambiente de trabalho, principalmente a
psicológica (66%). Foram entrevistados 36 mil profissionais dos 27
Estados e todos por meio de questionários eletrônicos.
Na
semana passada, a auxiliar de enfermagem E.S., 29, que trabalha numa
UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) no Grande ABC, tinha marcas de
unha no pescoço.
"Assumi
o plantão sozinha às 18h. Duas colegas tinham faltado e a
emergência estava lotada. Uma senhora que esperava desde as 16h se
irritou com a demora, me chamou de vagabunda e me agrediu."
INSATISFAÇÃO
Segundo
Manoel Neri da Silva, presidente do Cofen, falta segurança em
praticamente todos os serviços públicos de saúde.
"A
população está insatisfeita com o sistema de saúde e descarrega
no primeiro profissional que vê pela frente, que é o da
enfermagem."
A
saúde é o principal problema do país, segundo pesquisa Datafolha,
na opinião de 26% dos entrevistados.
Na
condição de anonimato, a Folhaconversou com dez
profissionais da enfermagem que contam histórias de agressões
verbais ou físicas, muitas delas praticadas por parentes do
paciente.
A
auxiliar de enfermagem T., 47, no Samu há 12 anos, conta que no dia
30 de maio foi atender um alcoólatra com dificuldade respiratória e
foi atacada pela mulher dele, também alcoolizada.
"Ele
agarrou o meu cabelo e me encheu de tapas porque demoramos para
chegar. Fui salva pelo motorista", diz.
Na
pesquisa da Fiocruz/Cofen, menos da metade dos profissionais (46,6%)
afirma ser tratado com cordialidade pelos pacientes.
MULHERES
Segundo
Fabíola Braga Mattozinho, presidente do Coren-SP (Conselho Regional
de Enfermagem de São Paulo), a situação de violência tem piorado
nos últimos meses e afeta, principalmente, as mulheres, que são a
maioria (85%) na enfermagem.
"Temos
dois casos de estupro e inúmeras agressões. Estamos mapeando
todos." Um dos casos de estupro ocorreu no mês passado em São
Bernardo (SP), perto da UPA onde a vítima, uma auxiliar de
enfermagem, trabalha.
A
mulher reconheceu um dos suspeitos como sendo um homem que estava na
unidade de saúde na tarde do crime. O acusado está preso.
O
Coren pediu à Secretaria de Segurança melhoria do policiamento
preventivo e ostensivo nas regiões próximas às unidades de saúde.
Em
nota, a secretaria informou que investiga todos os casos que são
registrados e que o número de estupros está em queda no Estado.
Para
Luciano Rodrigues, conselheiro do Coren, há omissão dos gestores em
denunciar os casos de violência contra os profissionais porque isso
pode configurar acidente de trabalho.
"O
profissional tem medo de denunciar as agressões e ainda sofrer
represálias."
Fonte: Folha
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